sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

EM ÉPOCA DE OSCAR, QUEM DERA OS PROBLEMAS SE RESUMISSEM A BARATAS!

O que me chamou atenção foi o menino.

Menino sim, porque parecia ter apenas uns 18 anos e como no dia 04 eu faço 49... Para mim é menino e está acabado.

Mas o assunto não é esse, e assim eu vou voltar para o começo dessa história.

O que me chamou atenção foi o menino.

Ele carregava, sobre o seu ombro, um enorme saco de pimenta de cheiro.
Olhei o menino. Olhei a pimenta.
E neste momento a pimenta também me chamou atenção.
Verdinhas, singelas...  Bonitas!
Eram uns 20 sacos empilhados entre a ponta da calçada e a pilastra.
O local, realmente, não pode ser chamado de limpo; tanto é que eu segurava as minhas sacolas de tecido, enquanto esperava a minha carona, com um cuidado, que nem combinava com a cena, mas que a minha intenção era que as sacolas não encostassem no chão ou na outra pilastra que estava mais próxima de mim.
Enquanto admirava as belíssimas pimentas, outro carregador se aproximou e que, como estava com um carrinho, empilhou cinco sacos de pimenta, seguido a orientação, de outro menino, que parecia ser filho do dono das pimentas.
O carregador com o carrinho adentrou a feira, o filho do dono sobrepôs um dos sacos em seu ombro e por um momento pensei: Puxa, embora ele seja filho dono, e ainda seja bem jovem, parece não ter medo de pegar no pesado (pesado literalmente, neste caso). Mas antes mesmo que eu concluísse essa súbita reflexão, se aproxima dele o menino sem carrinho e imediatamente ele transfere o peso para o ombro do outro e ordena: Leva!
Nada anormal apenas relações capitalistas.
Bem, quando o menino sem carrinho retornou, sozinho, sem o carregador com carrinho e sem o filho do dono, ele retirou uma única pimenta do saco, tomou para si, se sentou no meio fio e começou comê-la, sem lavar. Tudo bem, normal.

O que me chamava atenção era o menino.

Sentado, solitário, comendo pimenta, uns 18 anos...
Como seria o seu futuro?
Teria ele algum objetivo de mudança de ambiente? Mudança de atividade? mudança de vida?
Se ele carregava os sacos de pimenta, àquela hora, muito provavelmente já não devia mais frequentar a escola.
E na melhor das hipóteses, se ele ia à escola a noite, muito provavelmente, não estudava pois tinha que carregar os sacos de pimenta...

O que me chamava atenção era o menino.

Se ele carregava os sacos de pimenta, não lhe sobrava tempo de procurar nada melhor.
Pois também, como conseguir algo melhor se ele não estudava?
Neste momento passou por mim outro carregador.
Agora um senhor.
Senhor sim, porque parecia ser bem mais velho que eu e como no dia 04 eu faço 49... Para mim é senhor e está acabado.

Mas o assunto não é esse, e assim eu vou voltar para o meio dessa história.

O que me chamou atenção foi o menino.

E agora o senhor que passou foi como uma resposta ao que muito provavelmente poderá ser o futuro do menino.

POW! POW! POW!

Que barulho é esse?
Pensei comigo mesma.
E vi que na ponta da calçada, bem próximo aos sacos de pimenta que restavam, outro senhor, que havia saído do interior da feira, batia um caixote de madeira no sentido de que soltasse a sujeira que estava por dentro, para que ele pudesse reutilizá-lo guardando algum alimento.
Nem acreditei!
Fiquei entre a perplexidade e o horror, pois daquelas batidas saíram muitas baratas.
Mas muitas baratas.
Muitas baratas mesmo.
Agora quem me chamou atenção foram as baratas.
Elas rapidamente se espalharam.
Subiram pilastras.
Entraram em buracos, se esconderam no meio de um carregamento de couve.
E subiram e entraram nos sacos das belíssimas pimentas de cheiro!
Vieram em minha direção como as cenas daqueles filmes: ataque das aranhas, invasão de gafanhotos que de tão impressionantes acabam sendo indicados ao Oscar!

Não gritei, embora eu tivesse vontade, me contive e discretamente matava com o pé as baratas que se aproximavam de mim.
E tinha que ser discretamente porque de todos que estavam próximos a cena das baratas, eu era a única que parecia espantada.
Tinha um senhor encostado na pilastra, sim na pilastra por onde as baratas subiram, que nem se mexeu!
Aliás, não só não se mexeu como me lançava um olhar como que pensando: Que menina esquisita matando as baratas!
Menina sim, porque diante da possibilidade do ser humano viver pra lá de 100 anos, no dia 04 eu faço 49, que não chega nem a metade... Então é menina sim e está acabado.

Mas o assunto não é esse, e assim eu vou voltar para o final dessa história.

O carregador com carrinho voltou para pegar os últimos sacos de pimenta.
Sacudiu levemente e levou-os para o dono, agora recheados também pelas baratas que ficaram por fora e por dentro.
As baratas... Bem, cada uma seguiu por um buraco, por uma pilastra ou pelos outros alimentos expostos no mercado. As únicas que morreram foram as que se aproximaram do meu pé.

Mas o que mais me chamou atenção... Foi o menino.

Como será a casa dele?
Como será que é a sua vida?
Como é que será o seu futuro?
Onde fica ou como fica a esperança deste e de tantos outros meninos e meninas que estão espalhados por aí?
No álcool?
Na prostituição?
Na doença?
Percebi que diante de uma realidade, as vezes tão fria, a falta de perspectiva, a falta de esperança, por muitas vezes, é o que se apresenta como pano de fundo do teatro da vida.
É teatro ou é cinema?
Quem dera o problema se resumisse a baratas.

Boa sorte menino! Você me chamou a atenção.


Lucia Nicida

3 comentários:

  1. Pena que não é somente este menino, temos muitos meninos na mesma situação desse. Imagine aqueles meninos que não tem mais perspectiva de vida que não carregam pimenta, mais sim um fardo que não os trazem mais para o seio de suas famílias, mais sim para um mundo sem destino. O mundo das drogas. O meu foco não é o menino, mais sim os jovens que não carregam pimenta.

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  2. Meninos e meninas assim existem aos montes por ai, aqui em SP não é diferente disso nem mesmo as baratas. No nosso caso muitos até chegam a ter esperança, mas depois de um tempo aqui ela desaparece. Acho que a maior diferença entre os dois estados é que aqui em Sampa talvez, mas só talvez existam mais abrigos, mais escolhas certas e erradas tb.

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    1. Tem dias que essas situações parece nos chamar mais atenção do que em outros... Mas com certeza elas estão em toda parte! Bjs

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